A força que nunca
seca
Escola Municipal de Dança
estreia “Modupe”, espetáculo que investiga as raízes africanas da cultura
brasileira
Na tradição africana, “modupe” é uma expressão de gratidão e seu
frequente uso demonstra uma reverência humilde por parte desse povo. Associada
a Deus, além de um agradecimento, “modupe” também passa a ser uma felicitação.
Quem diz “Olorum modupe” dirige um “muito obrigado” à divindade e deseja
felicidade ao próximo.
O duplo sentido do termo yorubá viajou um oceano inteiro nos porões dos
navios, resistiu ao tempo e à distância, e veio habitar os sentimentos de 17
jovens bailarinos e um coreógrafo da Escola Municipal de Dança de Londrina.
Eles estreiam a montagem “Modupe” dentro da programação do Festival 2012 nesta
quarta (10), às 20h30, no Circo Funcart.
Foto Renato Forin |
O espetáculo é um retrato em movimento do DNA brasileiro e das
manifestações populares. Esta é a primeira vez que o grupo apresenta seu
trabalho de estreia, originado há dois anos de uma pesquisa sobre as heranças
africanas por parte dos alunos e do diretor Alexandro Micale. “Os bailarinos
adoram vasculhar esse universo. Você tem que gostar do Brasil para conseguir
fascinar o outro. Ninguém no mundo se mexe como o brasileiro e quisemos mostrar
isso nas coreografias”, aponta Micale.
O sangue negro que regou nossas veias ainda corre, afinal, como rios que
fertilizam porções áridas de um Brasil profundo. O diretor Alexandro Micale decanta
a África que mora no país e desenha uma coreografia que transforma movimentos
cotidianos em dança contemporânea. Lá estão, de modo estilizado, os quadris
sinuosos das mulatas que sobem-descem o morro, a célere acrobacia dos meninos
que dançam capoeira, o transe físico dos filhos-de-santo e dos devotos, a
malemolência dos foliões que se entregam nas festas populares.
Na comunhão Brasil-África, o Nordeste vem à tona e traz consigo dualidades
típicas da nação: a riqueza e a miséria, a força e a suavidade, a preguiça e a
disposição. “Apesar de toda alegria, a vida no Nordeste não é tão fácil assim”,
diz o diretor, que traduz essas referências com movimentos predominantemente em
quartetos e em grupos maiores, criando impactantes desenhos cênicos.
A execução das performances exigiu dos bailarinos entendimento dos
contextos. “Conversei muito com eles porque preciso de um peso cênico muito
grande. Se não tivermos na cabeça o que queremos, não vai chegar nas pessoas do
público. Nós conversamos muito sobre a intenção dos movimentos, a qualidade de
cada gesto”, destaca Micale.
O resultado é nítido. O espetáculo tem um enredo coreográfico que
encontra eco na dramaturgia composta por canções brasileiras intercaladas por timbres
instrumentais (como atabaques, berimbaus e pífanos). Daí, aparecem
abstratamente personagens como quebradeiras de coco, moleques famintos,
curumins, tainás.
Em determinado momento, a voz de Maria Bethânia entoa “olha, eu não sou
daqui / Marinheiro só” (Caetano Veloso, com versos de domínio público), para a
qual Maria Rita responde “eu não sou daqui também, marinheiro / Mas eu venho de
longe” (Marcelo Camelo). É o mote para que se lancem no palco movimentos que
remetem aos amores e às saudades das mulheres que ficam no porto, das esposas que
aguardam seus pescadores na praia. Em outros instantes, explodem as festas e a
religiosidade brasileira, entre santos católicos e nagôs.
A energia com que o grupo rasga o palco vai além - extravasa a boca de
cena, roça a pele do público, leva à compreensão de um país que não está nos
livros, nos gabinetes, nas instituições. País que aparece - como cantam os
versos de Roque Ferreira (integrante da trilha sonora) - “lá no interior”, onde
“tem uma coisa que não tem nome”, mas que se mostra clarividente à luz do
refletor.
Trajetória – Os integrantes do grupo da Escola Municipal de Dança
de Londrina são, em sua maioria, da Zona Norte da cidade, onde fica uma das
sedes da instituição. Segundo Alexandro Micale, as ideias para a montagem foram
surgindo progressivamente.
Após cinco anos de estudos com o balé clássico, os alunos começavam a
dar novos passos. “Eles sentiam que precisavam se mexer de outras formas e
começamos a brincar, a propor movimentos depois da aula de clássico”, conta o
diretor.
As práticas cresceram e tomaram forma de espetáculo. Durante o processo,
Micale destaca o empenho não só dos integrantes do grupo, mas também das mães,
que se engajaram na campanha com o objetivo de levantar fundos para a produção.
Na Mostra Local do Festival de Dança 2011, o grupo chegou a apresentar um
fragmento do que viria a se tornar “Modupe”, que estreia agora com duração de
45 minutos.
Renato
Forin Jr. / Assessoria de Imprensa Festival
Serviço:
Modupe
Escola Municipal de Dança – Londrina
(PR)
10/out. (quarta)
20h30
Circo Funcart
45 minutos
Classificação
indicativa: livre
R$ 10,00 e R$ 5,00
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