Quando a vida
imita a arte
Em Petrouchka, que estreia na
abertura do Festival de Dança 2012, um triângulo amoroso entre bonecos expõe de
forma lúdica os dramas de fantoches humanos
Crédito/Foto: Isabela Figueiredo
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Em uma cidadezinha qualquer, em qualquer tempo, chega um
homem misterioso acompanhado de seus três bonecos para apresentar um teatro
mambembe. Acontece que a relação entre os fantoches foge dos limites do palco:
o desengonçado Petrouchka amava a bela Bailarina, que preferia o Mouro, que não
amava ninguém.
O enredo dessa
quadrilha, elaborado por Igor Stravinsky e Alexander Benois em 1911, é o mesmo
que o coreógrafo Leonardo Ramos utiliza na obra homônima “Petruchka”. A criação
do Ballet de Londrina estreia na abertura do Festival de Dança 2012 nesta sexta
(5), com reapresentação no sábado (6) e no domingo (7), sempre às 20h30, no
Circo Funcart.
Nas três noites, “Petruchka” será encenado na sequencia da
montagem anterior da companhia, “A Sagração da Primavera”, também pautada em
composição de Stravinsky. Entre eles, haverá intervalo de 15 minutos.
Afora o traço de
união musical, assinalado pela inconfundível partitura de Stravinsky convertida
ao piano, as duas montagens do Ballet transitam por universos bem diferentes.
Enquanto “A Sagração...” descreve a pungente dor de uma virgem sacrificada para
a continuidade do ciclo da natureza, “Petrouchka” passeia por paisagens mais
amenas, irreverentes. “Eu procurei que ele não tivesse o clima da ‘Sagração’,
que fosse uma coisa alegre, uma farsa, uma brincadeira, apesar do drama das
relações”, explica Leonardo Ramos.
Em ambos,
entretanto, o diretor desenha com clareza metáforas que atualizam a eternidade
das obras elaboradas no início do século XX e imprime a linguagem própria da
companhia, reconhecida pelas quedas, por movimentos que tendem à
horizontalidade e pela pesquisa de novos eixos de equilíbrio.
A versão do Ballet
de Londrina para “Petrouchka” começa quando os três bonecos, ainda
preparando-se para entrar em cena, são animados por um mágico misterioso, um
“Charlatão” – como prefere o diretor. Desde então, a coreografia do trio propõe
quadros, ora sincronizados, ora díspares, que evidenciam o drama amoroso e
apresentam a caracterização psicológica dos personagens.
Crédito/Foto: Isabela Figueiredo |
A execução
coreográfica exige desempenho teatral sobretudo dos bailarinos Bruno Calisto
(que vive Petrouchka), Alessandra Menegazzo (a Bailarina), Vitor Rodrigues (o
Mouro) e Marciano Boletti (o Charlatão). Segundo Ramos, “o objetivo é capturar
a essência dessas três figuras. A bailarina transita entre os dois o tempo todo
e, ao final, ela não faz sua escolha, ela é aprisionada”.
Todo o elenco do
Ballet de Londrina logo é chamado à cena, incorporando os papeis de pessoas
comuns dessa cidade parada no tempo. São os transeuntes da feira, que se
preparam para assistir ao teatro. Abre-se a cortina da imaginação - trajados de
cores vibrantes, o trio de ventrílocos encenam o amor não correspondido e o uso
equivocado das correspondências.
O espetáculo é,
afinal, o próprio enredo da vida desses personagens. E os espectadores não são
tão (ou mais) fantoches nas mãos do destino quanto os tais bonecos? O jogo
metateatral de “Petrouchka”, demarcado pelo drama dentro do drama ou pela dança
dentro da dança, evoca reflexões estéticas perenes na história da arte.
Leonardo Ramos
consegue extrair essa essência de um enredo aparentemente banal. A linguagem
coreográfica traz uma elegância abstrata para a trama, alarga os caminhos de
interpretação. A movimentação característica do Ballet de Londrina, horizontal
e colada ao tablado, cabe muito bem aos personagens-bonecos que, por sua
natureza de objetos, espalham-se pelo chão em movimentos inventivos, por vezes demonstrando
a desconexão de partes do próprio corpo.
Crédito/Foto: Isabela Figueiredo |
O coreógrafo mostra
capacidade de se reinventar dentro dos parâmetros da linguagem. Em
“Petrouchka”, aparecem novas possibilidades nos giros rasteiros, na relação de
oposições entre os protagonistas e no jogo entre alto e baixo. “Eu me mantenho
muito alerta porque o fato de consolidar uma forma de fazer não pode deixá-la
repetitiva, você tem de impor desafios, tentar, em cada novo projeto,
desconstruir aquilo em que você e os bailarinos já são especialistas”, diz.
De acordo com
Ramos, enquanto “A Sagração da Primavera” (2011) materializa o ápice da
pesquisa iniciada em “Decalque” (2007), “Petrouchka” começa a esboçar as
inquietações de um novo caminho. “Eu considero Petruchka a retomada da confusão
para novas descobertas. Mudamos inclusive o modo de trabalhar a parte técnica
das aulas, isso deve refletir mais adiante”.
Na montagem que
estreia nesta sexta, cenários, figurinos e objetos cênicos estabelecem
interessante diálogo cromático. Os bailarinos inserem-se em um ambiente
geométrico, feito de retalhos. A cidade é o tabuleiro de um jogo de xadrez e
ergue-se com a mesma monocromia cinzenta – contraponto para as cores
extravagantes dos artistas mambembes.
Texto: Renato Forin Jr.
Serviço:
Petrouchka
A Sagração da Primavera
Ballet de Londrina – Londrina (PR)
5, 6 e 7/out. (sexta, sábado e domingo)
20h30
Circo Funcart (Av. Sen. Souza Naves, 2380)
80 minutos
Classificação indicativa: acima de 10 anos
R$ 10,00 e R$ 5,00
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